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PANDEMIA PELO MUNDO: PRESIDENTE HONORÁRIA DA UNIÃO INTERNACIONAL AVALIA OS EFEITOS DA CRISE SANITÁRIA PARA O OFICIALATO

PANDEMIA PELO MUNDO: PRESIDENTE HONORÁRIA DA UNIÃO INTERNACIONAL AVALIA OS EFEITOS DA CRISE SANITÁRIA PARA O OFICIALATO

A Fenassojaf disponibiliza, nesta sexta-feira (05), a nona edição da série “Pandemia pelo Mundo” que traz entrevistas com Oficiais de Justiça e agentes de execução estrangeiros sobre os impactos da pandemia do coronavírus nas diversas realidades da profissão no planeta.

Desta vez, o vice-diretor financeiro e responsável pelas Relações Internacionais da Federação, Malone Cunha, conversa com Françoise Andrieux, Oficiala de Justiça da cidade de Aix-en-Provence na França.

Françoise é presidente honorária da União Internacional dos Oficiais de Justiça (UIHJ), entidade que comandou efetivamente entre 2015 e 2018. Durante o período em que esteve na presidência, a Oficiala de Justiça estreitou relações com a América do Sul, em especial com representações da Argentina, Uruguai e Chile, além do bloco econômico do Mercosul.

Nesta edição da “Pandemia pelo Mundo”, Françoise faz uma reflexão sobre o futuro da categoria e fala dos efeitos da crise sanitária global para os Oficiais de Justiça.

A entrevista com Françoise Andrieux está disponível em vídeo no canal da Fenassojaf no YouTube (Clique Aqui para assistir) e também pode ser conferida na transcrição abaixo.

MALONE CUNHA: Françoise, tudo bem? Gostaria de começar perguntando a você quais foram os impactos mais significativos da pandemia do Coronavírus na profissão de Oficial de Justiça na França?

FRANÇOISE ANDRIEUX: Olá Malone, estou bem, obrigada, e estou feliz em ver que o mesmo é verdade para você. É verdade que a pandemia do COVID-19 foi violenta na França e permanecemos confinados de 16 de março a 11 de maio. Enquanto isso, em nossa profissão, os escritórios foram fechados ao público e a maioria das atividades foi suspensa. Os escritórios estão ociosos, mas o que pude ver é que a Câmara Nacional de Comissários da Justiça (nosso novo nome agora) esteve presente por vários meios de comunicação e acompanhou nossos colegas durante esses momentos. Vou dar dois exemplos de novas ferramentas relacionadas ao COVID-19 criadas durante esse período pela Câmara que me parecem emblemáticas e que gostaria de citar: O primeiro exemplo diz respeito ao serviço eletrônico. A Câmara propôs um novo meio de serviço desmaterializado simplificado destinado a pessoas físicas e jurídicas por meio do que chamou de "Securact" e que é uma plataforma para serviços eletrônicos, para empresas e agora para indivíduos. O segundo exemplo diz respeito à observação por meio da ferramenta que ela chamou de "Prova legal" para permitir que as empresas que retomam suas atividades após o confinamento provem que respeitam os protocolos e normas de saúde. Esta constatação será publicada na empresa e tranquilizará clientes e funcionários. Você vê que, portanto, há uma reatividade importante que se mantém atualizada enquanto se coloca a serviço do litigante. Obviamente, isso não oculta as dificuldades que os Oficiais de Justiça franceses sentiram e que espero que gradualmente desapareçam graças ao dinamismo de nossa profissão.

MALONE: No Brasil, tivemos mortes de Oficiais de Justiça por causa do Coronavírus, pois, dentro do Judiciário, somos a categoria mais exposta aos riscos de contaminação. Como você entende que os Oficiais de Justiça devem conciliar o exercício de suas atividades profissionais, uma necessidade de subsistência, e a proteção de sua própria vida?

FRANÇOISE: Antes de responder à sua pergunta, permita-me prestar homenagem à memória de nossos colegas, à coragem e altruísmo deles. Sua pergunta me parece relacionada à primeira. Acho que podemos responder considerando dois aspectos:

- Primeiro: dificuldades materiais e financeiras;
- Segundo: as dificuldades simplesmente ligadas ao exercício da profissão.

Nas primeiras dificuldades, as respostas variam de acordo com os estatutos: os funcionários públicos, eles, na maioria dos casos mantiveram seus salários e rendas. Por outro lado, os Oficiais de Justiça liberais tiveram que continuar pagando suas obrigações, como os salários dos funcionários (às vezes com auxílio estatal no melhor dos casos), créditos, aluguéis, etc. e isso sem renda ou com menor renda. Essa é uma situação que pode comprometer seu equilíbrio financeiro profissional e pessoal. Para a segunda categoria de dificuldades, trata-se de proteger-se no exercício de uma profissão que é uma profissão de contato, por definição. Nós somos o elo real entre justiça e cidadão, permitimos que a justiça seja eficaz e é por isso que nossa missão é primordial no Estado de Direito. É verdade que, portanto, não podemos deixar de cumprir nossa tarefa, então: Como conciliar eficiência e proteção? Devemos aprender com o que estamos passando. Penso que a resposta está em uma nova forma de exercício que, sem dúvida, florescerá graças a essa experiência difícil, graças a novas tecnologias que não serão capazes de suprimir, mas limitar os contatos. A UIHJ, como você sabe, está refletindo sobre esse assunto, que será o tema do seu próximo congresso em Dubai em 2021. Gostaria de aproveitar a oportunidade que me foi dada nesta entrevista para convidar você e seus colegas brasileiros a participar dessa reflexão sobre o futuro de nossa profissão.

MALONE: Agora, eu queria perguntar à Presidente Honorária da UIHJ – União Internacional dos Oficiais de Justiça. Em sua administração, você visitou a Argentina e o Uruguai. Como a UIHJ em sua presidência viu a América do Sul?

FRANÇOISE: Na verdade, fui à Argentina e Uruguai e também ao Chile. De fato, a UIHJ mantém contatos com a América do Sul há muitos anos. O Brasil, em particular, esteve representado em vários eventos, incluindo o Congresso de Atenas em 2000, sob a presidência de Jacques Isnard. Então, Leo Netten foi muitas vezes à Argentina, onde temos nesse país um apoio importante, graças à professora Aida Kemelmaier de Carlucci, membro do conselho científico da UIHJ e que nos permitiu organizar e participar de muitas conferências. Graças a ela, assinamos um acordo de cooperação com a Universidade de Mendoza. Da minha parte, como presidente da UIHJ, eu tive a sensibilidade de continuar esses contatos e desenvolvê-los. Registramos a adesão da Associação Civil de Oficiais Notificadores e de Justiça e contatamos sua Central de Mandados. Pude encontrar o Ministro da Justiça Federal na Argentina e também no Chile. Apresentamos nossa organização e seus objetivos. Finalmente, consegui estabelecer um primeiro contato com o Mercosul no Uruguai, o que me parece um passo importante, porque as entidades internacionais baseadas em intercâmbios econômicos precisam muito rapidamente contar com uma base jurídica fincada na segurança das relações. No entanto, nossa profissão é precisamente a garantidora da execução adequada das decisões judiciais e, portanto, assegura relações. Sei e sou encantada que Marc Schmitz, meu sucessor à frente da UIHJ, tenha continuado essas ações e ampliado as relações, especialmente com vocês no Brasil. As trocas são feitas passo a passo, porque é necessário levar em consideração vários elementos: hábitos, disparidade de estatutos, restrições políticas: alguns estados são federais e, neste caso, é onde é mais difícil, por vezes, harmonizar nossa profissão. Devemos tornar nossa organização e suas ações conhecidas, para convencermos de sua utilidade. Tudo isso leva tempo e pouco a pouco as portas se abrem e começamos a trabalhar juntos e estou muito feliz com isso porque acho que a América do Sul, graças às suas especificidades, pode trazer muito para a nossa organização e obter lucro de suas experiências com os Oficiais de Justiça de todo o mundo.

MALONE: Recentemente, um Oficial de Justiça brasileiro se preocupou com a maior entrada da UIHJ no continente sul-americano no ano passado, porque temia que a UIHJ fosse estabelecida neste continente em apoio à ideias que visassem mudar o "status" dos Oficiais de Justiça, de funcionários públicos, como no Brasil e na Argentina, para um agente privado e independente, como no Chile e no Paraguai, considerando que a criação da entidade UIHJ foi feita por profissionais privados. O que você diria para esse Oficial de Justiça?

FRANÇOISE: Eu diria que não há com o que se preocupar e eu explico o porquê. A UIHJ não tem como objetivo padronizar os estatutos dos Oficiais de Justiça no mundo. Se é verdade que fomos fundados por Oficiais de Justiça liberais, posteriormente recebemos Oficiais de Justiça funcionários públicos, como os da Suécia, Itália e Geórgia, para citar alguns, sem nunca tentar modificar seus status. E com muita alegria, porque na UIHJ pensamos que nos enriquecemos graças ao intercâmbio de melhores práticas e às nossas diferenças! Por outro lado, o que a UIHJ quer é um Oficial de Justiça independente e qualificado. A independência não está ligada ao status, mas à possibilidade desse profissional executar procedimentos a partir de decisões judiciais do início ao fim, sem a necessidade de autorização do juiz a cada momento, por exemplo, para implementar uma apreensão como existem em alguns países. Essa independência também está ligada à responsabilidade que valoriza nossa profissão. E você sabe como conseguimos essa independência? Simplesmente com formação! Quanto melhor somos formados, mais podemos ter atribuições e quanto mais temos, melhor precisamos nos formar: essa é a dinâmica da formação. É isso que a UIHJ deseja: um profissional independente e altamente qualificado, colocado no mesmo nível que juízes e advogados, como é o caso em muitos países, como o meu, por exemplo. O interessante não é necessariamente o status, mas a concentração de certas atividades nas mãos de um profissional especializado para trabalhar na grande profissão de execução. Ainda há muito trabalho a ser feito, precisamos estar unidos e trabalhar na mesma direção. É o que diria ao seu colega, em resumo, é claro, pois teria muito mais a dizer sobre esse assunto, mas não há tempo suficiente!

MALONE: Uma das propostas feitas na campanha de 2019 que elegeu a atual direção da Fenassojaf, da qual faço parte, foi tentar sediar o próximo Congresso da UIHJ na cidade do Rio de Janeiro em 2024. Isso proporcionaria visibilidade e reforço para nossa categoria internamente. De qualquer forma, sabemos que essa situação depende de vários fatores, e não apenas da vontade. Como você vê esse interesse preliminar de Fenassojaf? Você acha que é muito cedo para um congresso da UIHJ na América do Sul?

FRANÇOISE: Excelente ideia! De fato, você deve saber que a UIHJ está presente em quatro continentes: África, América, Ásia e Europa. É costume que o congresso seja realizado em um desses continentes. Portanto, sua inscrição será, tenho certeza, bem-vinda! Isso requer a vinda para Dubai, onde o próximo congresso será realizado em 2021 e onde a escolha do país anfitrião para o congresso de 2024 será realizada. Você apresentará seu país e a cidade anfitriã e se submeterá ao voto das delegações presentes. Desejo a vocês boa sorte!

MALONE: Gostaria de agradecer por essa conversa e terminar dizendo que somos uma pequena categoria no Brasil e no mundo, diante de outras categorias que trabalham no Judiciário, como juízes e advogados. No Brasil, estamos ameaçados de extinção. Como combater essa ameaça de extinção, Françoise? Como fortalecer a categoria?

FRANÇOISE: Sinceramente, eu acho que a UIHJ pode ajudá-lo nesse processo. Nossa organização possui uma grande experiência há quase 70 anos de existência no apoio à criação de nossa profissão ou sua manutenção e desenvolvimento em diferentes países. A quantidade (quase 90) e a diversidade de seus membros (diversidade de estatutos, diversidade geográfica etc.) conferem legitimidade única. As soluções surgem através da comunicação através de simpósios, formação, audiências com ministros da justiça ou, às vezes, até no topo, com chefes de Estado. Também realizamos numerosos trabalhos que são publicados. Eu acho que o Código Mundial de Execução é o melhor exemplo. Foi aprovado por todas as principais organizações do mundo e serve como referência para a organização da execução das decisões dos tribunais nos Estados de todo o mundo. Essa é uma ferramenta preciosa para vocês, que vocês devem usar! A UIHJ insiste na independência do Judiciário, que participa da boa governança de um Estado. Lembramos que o Banco Mundial, por exemplo, empresta dinheiro a estados capazes de demonstrar a existência do Estado de Direito, a existência de segurança jurídica. A UIHJ já realizou, a pedido dos ministérios da justiça, auditorias sobre a profissão em certos países. Por que não no Brasil? Você deve saber que a UIHJ é uma das associações mais importantes de juristas do mundo, não apenas pelo número de membros, mas também pela duração e pelas ações, sendo, portanto, ouvida e reconhecida. E se você diz que somos uma pequena categoria no Brasil: venha se juntar a nós porque, como costumamos dizer: Nossa União é a nossa força!

Da Fenassojaf, Caroline P. Colombo com o diretor Malone Cunha