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MIGALHAS: NOVOS RUMOS PARA A CITAÇÃO ELETRÔNICA

MIGALHAS: NOVOS RUMOS PARA A CITAÇÃO ELETRÔNICA

Por João Ricardo Camargo

Com a entrada em vigor da Lei 14.195/2021, regulamentada pela recente resolução 455/22 do CNJ, podemos dizer, definitivamente, que voltamos a trilhar o caminho da informatização dos atos processuais.

Os primeiros passos se deram lá em 2006, com a lei 11.419, que dispõe sobre a informatização do processo judicial, numa época que estávamos preocupados com a substituição das máquinas datilográficas pelos computadores. Seguiu-se o Código de Processo Civil de 2015 (CPC), que passou a admitir a prática de atos processuais por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real3 (art. 236, §3°), que tanto fez parte do nosso dia a dia durante a pandemia de COVID-19.

Agora, a recente resolução 455 do CNJ vem, não somente regulamentar a forma como deve ocorrer a citação eletrônica ao criar o Domicílio Judicial Eletrônico (DJEL), mas, sobretudo, marcar um passo fundamental na futura integração dos sistemas (PJe, Projud, E-proc.).

A questão que nos propusemos tratar nesse artigo diz respeito à citação eletrônica, que, com a lei 14.195/2021, regulamentada pela recente resolução 455 do CNJ, passou a impor a todas as pessoas jurídicas, incluindo as micro e pequenas empresas, o cadastro para fins de citação e intimação, na forma eletrônica.

O revogado art. 246, §1º do CPC previa que empresas públicas e privadas - exceto as microempresas e empresas de pequeno porte -,  deveriam cadastrar-se - incluindo um e-mail - nos sistemas de processamento dos autos eletrônicos, para efeitos de recebimento de citações e intimações eletrônicas. Essa regra também se aplicava e continua se aplicando à União, aos Estados e ao Distrito Federal, aos Municípios, e suas respectivas entidades da administração indireta (art. 246, §2º do CPC).

Esse cadastro deveria ser realizado no prazo de 30 dias pelas empresas já constituídas, contados a partir da entrada em vigor do CPC e, para aquelas que vierem a ser constituídas, contados da inscrição do ato constitutivo da pessoa jurídica (art. 1.051 do CPC), perante o juízo em que tenham sede ou filial.

O tempo mostrou, no entanto, que a ausência de sanção em caso de descumprimento da regra e, sobretudo, a falta de um sistema apto a viabilizar o cadastro, tornaram essas normas, até agora, "letras mortas".

Isso, entretanto, começou a mudar com as alterações promovidas pela Lei 14.195/2021, que modificou vários artigos do CPC, e, sobretudo, com a recente regulamentação através da resolução 455 do CNJ.

A lei 14.195/2021 nasceu da conversão da Medida Provisória 1.040/2021. Essa Medida Provisória (MP) versava, originariamente, apenas sobre desburocratização e modernização do ambiente negocial, como estratégia de recuperação econômica pós-pandemia.

Ocorre que, no curso do procedimento de conversão em lei, no Congresso Nacional, a MP sofreu inúmeras emendas parlamentares, que ampliaram o seu objeto.

Com as mudanças trazidas pela lei 14.195/2021, o CPC passou a impor às partes e aos interessados o dever de informar e manter os dados cadastrais atualizados, incluindo, evidentemente, os dados eletrônicos. Não se trata, rigorosamente, de uma inovação que tenha sido introduzida pela nova lei. Trata-se, a nosso ver, em verdade, de um reforço à regra que já existia (art. 77, V do CPC), segundo a qual é dever de todos aqueles que participam do processo declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o endereço residencial ou profissional, bem como o eletrônico, por meio dos quais poderão vir a receber intimações. Aliás, o dever de atualizar essas informações se estende ao longo do processo e, inclusive, no caso de cumprimento de sentença, após o trânsito em julgado, cabendo àqueles que dele participam informar nos autos qualquer modificação de seu endereço, seja temporária ou definitiva.

A principal mudança promovida pela lei 14.195/21 diz respeito à forma como deve, preferencialmente, ocorrer a citação. Além de a citação eletrônica passar a ser, em paralelo àquela realizada por correio, a regra geral (art. 247, caput, com redação dada pela lei 14.195/21), o art. 246, caput, deixa claro que a citação deve se dar, preferencialmente, pelo meio eletrônico. Ou seja: se houver endereço eletrônico cadastrado, deve-se, em detrimento da citação por correio, optar pela citação eletrônica.

A citação eletrônica deve ocorrer, preferencialmente,  em 2 (dois) dias úteis, e será remetida ao e-mail do réu que constar no banco de dados do Poder Judiciário.

De acordo com a lei 14.195/21, no caso de citação eletrônica, o termo inicial do prazo para contestar/reconvir passou a ser o quinto dia útil seguinte à confirmação da citação, no portal eletrônico. Se não houver a confirmação em três dias úteis, contados do dia em que a comunicação estiver disponível no portal eletrônico, a citação dar-se-á por correio, oficial de justiça, escrivão - no caso de a parte comparecer em cartório - ou por edital.

A falta de confirmação no portal do recebimento da citação eletrônica, sem justa causa, poderá configurar ato atentatório à justiça, passível de multa de até 5% sobre o valor da causa (art. 246, §1º-C do CPC). No caso de o réu deixar de "abrir" a citação eletrônica e vier a ser citado pelo correio, oficial de justiça, escrivão ou por edital, deverá, na primeira oportunidade que comparecer aos autos, esclarecer o porquê de não ter confirmado a citação, na forma eletrônica. A falta de causa justificadora, e de sua devida comprovação, poderá acarretar a condenação do réu ao pagamento de multa de até 5% sobre o valor da causa.

A nosso ver, esse dispositivo derrogou (revogação parcial) a lei 11.419/06 - que dispõe sobre o processo eletrônico -, no ponto em que trata da abertura automática da citação em 10 (dez) dias a contar do seu recebimento (art. 5º, §3º).

O legislador, por meio da lei 14.195/21, em nosso entender, pretendeu estabelecer o equilíbrio entre a necessidade de se resguardar a higidez do ato de citação e, ao mesmo tempo, imprimir ao ato celeridade. Se o réu, injustificadamente, não fizer a leitura da citação eletrônica, será citado pela forma tradicional, mas estará sujeito à multa por ato atentatório à justiça. O mesmo raciocínio vale para os casos de intimação pessoal. A multa, neste caso, é medida que, fundamentalmente, visa a dissuadir o réu/executado de adotar esse comportamento em outros processos em que seja parte. Assim, a multa pode servir como incentivo para que o réu/executado não prolongue injustificadamente o andamento do processo, impedindo que a prestação jurisdicional venha em tempo razoável para o autor.

Para regulamentar e dar potencial de efetividade a essas regras, o CNJ editou recentemente a Resolução 455/2022, que criou o Portal de Serviços do Poder Judiciário. O portal será acessado através da Plataforma Digital do Poder Judiciário (PDPJ) e vai unificar vários serviços - que atualmente estão espalhados nos diferentes sistemas de gestão de processos dos Tribunais de Justiça-, permitindo aos operadores do direito e às partes cadastradas, com um único login/senha e no mesmo site, consultar processos, acompanhar andamentos processuais, receber citações e intimações e, inclusive, peticionar nos autos que estejam integrados à PDPJ.

Esse portal englobará, além do Diário de Justiça Eletrônico Nacional (DJEN), o Domicílio Judicial Eletrônico (DJEL), ferramenta que passa a ser obrigatória para todos os Tribunais - à exceção do STF (arts. 15, parágrafo único, e 27 da referida Resolução) - e que vai permitir que as citações e intimações se deem de forma eletrônica.

A partir do momento que o portal esteja disponível - havia uma previsão, de acordo com o CNJ17, que seria no dia 30 (30/9/2022), que, no entanto, não veio a se realizar-, inicia-se o prazo de 90 (noventa) dias para que todas as empresas, públicas e privadas, os entes federativos e suas respectivas entidades da administração indireta, realizem o cadastro e, então, passem a receber, virtualmente, as intimações e citações, sob pena das sanções mencionadas acima.

Por fim, é importante sempre lembrar que a celeridade não pode se dar a qualquer custo. As formalidades, de que se reveste a citação, devem-se à extrema importância desse ato de comunicação, que assegura ao réu o exercício do direito de defesa, constitucionalmente garantido (art. 5º, XXXV e LV da Constituição). A citação deve cumprir a sua função primordial: dar ciência ao réu de que há uma demanda em seu desfavor, a fim de que ele possa exercer plenamente o seu direito de defesa.

Aliás, em alguns casos o STJ considerou válida a citação ocorrida através de WhatsApp. Em outros casos, no entanto, declarou nula a citação e determinou a renovação do ato, porque não ficou comprovada, com suficiente grau de certeza, a identidade do citando, o conhecimento da existência da demanda e a ciência do réu quanto às consequências da ausência de apresentação de defesa.

O certo é que: dúvida e incerteza são termos que não se afeiçoam ao ato de citação. Se uma citação eletrônica não for capaz de atingir a sua finalidade primordial: dar ciência ao réu de que há uma demanda em seu desfavor, com advertência das consequências da falta de apresentação de defesa, deve-se reconhecer a nulidade da citação e dos atos seguintes, determinando, se possível, a sua renovação na mesma relação processual. O exercício do direito de defesa, constitucionalmente garantido, não pode ser violado por um "ideal" de celeridade. Afinal, como diz a máxima romana atribuída a Horácio, "est modus in rebus, sunt certi denique fines", ou seja, deve haver uma justa medida em todas as coisas, existindo, afinal, certos limites.

João Ricardo Camargo é advogado, Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná.


Fonte: Portal Migalhas